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sábado, 19 de setembro de 2015

Aumento de impostos resolve o problema de arrecadação?

Estava olhando um vídeo que fala sobre a curva de Laffer. É uma teoria desenvolvida por Arthur Laffer, um reconhecido economista americano. Não vou entrar em maiores explicações sobre a teoria dele (resumidamente diz que há um teto para o aumento das alíquotas de impostos, e a partir deste teto não há mais aumento de arrecadação, e sim queda), pois coloquei o vídeo ao final deste post para quem quiser dar uma olhada. Para quem se interessa por economia, sem dúvida é bacana.

O que eu queria era ir num raciocínio mais simplista mas que comprova de maneira eficiente quanto a teoria de que aumento de imposto não melhora a situação do governo. Comecei a escrever sobre isso num post no facebook e depois comecei a aprofundar o pensamento e ver outras implicações. Talvez você esteja se perguntando: mas o que isso tem a ver com produtividade? Você verá que isso influencia bastante na produtividade... Acompanhe o raciocínio.

Um belo dia o governo se dá conta de que não está ganhando o suficiente para arcar com seus custos e resolve aumentar o imposto. A lógica do governo é simples, e vou simplificar mais ainda o cálculo, pois o objetivo é sermos didáticos: se o Brasil produz cerca de R$ 5 trilhões, que é o valor aproximado do PIB [1] e o governo fica hoje com 40% (R$ 2 trilhões) e não consegue pagar tudo que gasta, ele olha para essa conta e, vendo que o valor do PIB com certeza não vai crescer, qual a única alternativa óbvia para aumentar o valor arrecadado? Sim, aumentar a alíquota dos impostos!

Pois é, mas imagine que você (sim, você) ganha R$ 1.000,00 e gasta R$ 300,00 em impostos. De uma hora para outra, vem um decreto lá de cima que vai aumentar a quantia que você paga em impostos para R$ 400,00. Por certo não veio junto um decreto aumentando seu salário, então agora você tem R$ 100,00 a menos para consumir em produtos e serviços. Se você consome menos (claro que isso não acontecerá somente com você!), as empresas terão menos receita, o que de imediato já implica em uma redução na arrecadação. Mas a coisa não pára por aí. Se as empresas vendem menos, elas precisam diluir os custos fixos que tinham em menos produtos, o que implica em algumas alternativas:

  • margens menores ou negativas, pois a tendência é os custos aumentarem cada vez mais com a perda de escala;
  • preços mais elevados para manter a margem anterior e pagar os custos mais elevados;
  • iniciativas de redução de custos, entre elas a principal costuma ser a demissão.
A primeira situação em um primeiro momento mantém um pouco o poder de compra do consumidor, com o que sobrou do aumento de impostos, mas já reduz a arrecadação, e tem um efeito muito mais perverso que é o enfraquecimento da saúde financeira das empresas, o que pode até resultar no fechamento de diversas empresas e de diversos postos de trabalho. Muita gente sem renda, não tem dinheiro para consumir e volta a alimentar o círculo vicioso da crise...

A segunda situação reduz mais ainda o poder de compra do consumidor, que terá que dividir seu pouco dinheiro entre mais impostos e preços mais elevados, alimentando ainda mais o círculo vicioso de crise, pois comprando menos as empresas ganham menos, os custos aumentam, etc...


A terceira situação, principalmente com o cenário de demissões se confirmando para reduzir custos, tem o efeito perverso da primeira: pessoas sem renda não conseguem consumir, as empresas vendem menos, os custos aumentam, precisam demitir mais, e olha que círculo vicioso que se forma aqui.

Em resumo, aumentar imposto não passa de uma solução burra que reis e senhores feudais usavam na era medieval para cobrir os gastos cada vez mais crescentes com farras e luxos. E como estamos vendo, não soluciona nada, pois ao contrário do que o governo pensa, a economia não é um saco sem fundo de onde sempre se pode tirar mais um pouco, como o Ministro Levy pensa.

O que o governo ainda não entendeu - e é impressionante que a presidente seja formada em economia, pois nem ela nem os assessores conseguem enxergar isso - é que eles não estão olhando para essa conta da forma correta. Eles na verdade olham para aquela conta simples e só conseguem enxergar a solução do aumento da alíquota, mas não enxergam o que está fora daquela conta. Quantas pessoas hoje tocam "negócios" na base da informalidade? Quantas empresas sonegam impostos devidos? Quantas empresas fazem manobras contábeis para ter um saldo menor para pagar em impostos? São apenas três exemplos do que uma solução mais inteligente traria.

Aumento de arrecadação não se consegue somente aumentando impostos. Aumento de arrecadação é possível sim, tendo uma fiscalização mais efetiva para coibir sonegação e manobras fiscais; estimulando a regularização de negócios que hoje estão na informalidade; cruzando dados de diferentes empresas para descobrir indícios de sonegação; e por aí vai.

Tenho certeza de que ações como estas seriam muito mais efetivas e teriam um saldo muito mais positivo não somente para o governo, mas também para a sociedade em termos da busca de uma situação mais sustentável.

Claro que outras coisas também seriam necessárias, como a suspensão de propagandas do governo (que tem custos milionários, e governo bom não precisa de propaganda), o corte de benesses para os entes públicos, o próprio enxugamento da máquina pública... Quando as empresas estão com dificuldades elas não pegam mais dinheiro dos seus clientes sem oferecer nada em troca; justamente elas precisam ajustar o compasso entre os custos e as receitas, e muitas vezes se as receitas de vendas não estão boas (análogo à diminuição da arrecadação) isso pede infelizmente o desligamento de pessoas do seu quadro funcional. Agora, o governo não planeja sua estrutura, não foca em eficiência e produtividade, não controla seus gastos, não quer reduzir seu tamanho e então nós temos que pagar essa conta?

Hoje ouvi a notícia no rádio de que a Ford (acho que em São Paulo) teve que negociar com o sindicato porque teria que demitir 204 pessoas. Na negociação a categoria aceitou reduzir jornada de trabalho e salários em troca do cancelamento das demissões. Me surpreendi que o sindicato tenha aceitado, e ninguém gostaria que nenhuma dessas situações acontecesse, mas francamente, me parece melhor para a classe trabalhadora que se mantenham os postos de trabalho em tempos de dificuldades, afinal a crise está empurrando as taxas de desemprego para cima novamente, do que mandar um monte de gente embora e elas não conseguirem um novo emprego. Isso quer dizer que sim, todos acabamos tendo que nos sacrificar um pouco, mas porque o governo não entra junto no sacrifício?

Então, começamos falando da curva de Laffer, seguimos falando um pouco sobre a dinâmica da economia e como o aumento de impostos afeta a produtividade das empresas e empurra todo mundo para uma espiral da morte (pensem que produtividade é fazer mais com menos, nos casos que refletimos acima seria fazer menos gastando mais). Passamos pela idade média e por possíveis ações de aumento de arrecadação - não de impostos - e terminamos desabafando pelo absurdo que os governantes irracionalmente querem fazer conosco.

Prometo que o próximo post vai voltar a ser mais focado em negócios, já até comecei a escrever, mas estava precisando escrever sobre esse assunto neste momento. E também prometo publicar textos com uma freqüência maior.

Um abraço a todos que acompanharam até aqui, não deixem de ver o vídeo abaixo e vamos ser mais produtivos!



[1] http://brasilemsintese.ibge.gov.br/contas-nacionais/pib-valores-correntes
* achei curioso que o IBGE não oficializa dados do PIB em seu site desde 2012, nos locais que tem números depois disso estão informados como estimativa. Porque será???

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O paradoxo da redução de custos em tempos de crise

Dada a atual situação econômica brasileira, resolvi escrever algo que pode servir de alerta para que as empresas tomem cuidado ao fazer o que se costuma fazer em tempos difíceis: tirar o pé do acelerador. Utilizando um exemplo bem simplificado para fins didáticos, analisamos a implicação desta redução do ritmo nos custos dos produtos.


Uma das principais críticas ao tradicional sistema de custos, feita por Eliyahu Goldratt [1], é chamada de “proporcionalidade dos custos indiretos” [2]. Goldratt explica que a contabilidade de custos tradicional surgiu baseada na necessidade de as indústrias realizarem demonstrações de seus resultados. Naquela época, no início da Era Industrial, a complexidade das organizações era muito menor. Basicamente elas eram compostas por uma grande estrutura, responsável pela produção propriamente dita, e uma parte muito pequena das estruturas das empresas não tinha relação direta com a produção e servia apenas para dar suporte ao funcionamento desta, responsáveis por funções como contabilidade, folha de pagamento, entre outros.

A divisão dos custos nesta situação pode ser representada pela figura a seguir, que tem como exemplo os produtos A, B e C, com seus respectivos custos e também uma pequena parcela de custos indiretos ou despesas que eram alocados entre os produtos com a finalidade de que os mesmos se apropriassem de uma parte destes desembolsos e contribuíssem para a cobertura destes custos indiretos. Aqui para exemplificar, estamos fazendo um rateio dos custos indiretos de forma equânime.


Rateio dos custos indiretos - início da era industrial
Figura 1: exemplo de rateio dos custos indiretos - caso de poucos custos indiretos.
À medida em que o mundo foi se desenvolvendo, muitas destas indústrias se desenvolveram junto e começaram a criar mais áreas de suporte, tais como marketing, P&D, call center, etc., e as próprias áreas que já existiam (parte administrativa, contabilidade e produção) também apresentaram um crescimento. A implicação disso foi que a parcela de custos indiretos e despesas dentro do custeio dos produtos acabou crescendo mais do que os custos diretos em relação ao paradigma anterior. No entanto, as formas de custeio e alocação dos custos indiretos continuaram as mesmas, sem nem entrar no mérito da questão dos critérios esdrúxulos de rateio utilizados por algumas empresas. Ou seja, a realidade das organizações mudou, mas a forma de custeio permaneceu a mesma.


Esta é uma situação perigosa, pois acabamos alocando a um produto custos que na realidade não são dele, são da operação da empresa. Goldratt propõe uma outra forma de analisar isso, mas na verdade não é este o tema desta postagem, por isso vou deixar essa outra questão para depois. Voltando ao raciocínio dos custos, então temos agora uma proporcionalidade maior dos custos indiretos em relação ao que havia no início da Era Industrial, e estes custos continuam sendo rateados entre os produtos, da mesma forma que antes, mas agora a proporção deles acaba sendo muito maior, como podemos ver na comparação da representação abaixo em relação à figura anterior.

Figura 2: exemplo de rateio dos custos indiretos - dias atuais.
A partir deste ponto do entendimento decorrem outros problemas. Possivelmente o maior deles, e mais preocupante, e que escolhi para trazer à tona neste momento em que uma grande crise se anuncia em nosso país, é o que acaba acontecendo se tiramos um produto da linha, ou mesmo se as vendas caem em decorrência do desaquecimento do mercado. 
Supondo que antes estávamos vendendo os produtos A e B sem margem e o produto C com prejuízo e eliminamos o produto C no intuito de reduzir os custos e focar os esforços de produção e venda dos outros dois, que estão sendo lucrativos. Analisando a planilha de custos novamente após a mudança e ficamos atônitos ao constatar que os custos de A e B aumentaram e agora ambos dão prejuízo. Agora estamos produzindo menos, e nosso sistema de custeio indica que os custos, ao invés de sofrerem uma redução, sofreram um aumento. Como isto é possível?

Note que ao eliminar um dos produtos, os custos diretos praticamente vão “embora”, no entanto muitos dos custos indiretos continuam existindo pois, salvo em situações especiais, o aluguel do prédio, os departamentos de P&D, marketing, etc., não serão desativados. Sendo assim, passamos de uma situação em que tínhamos um certo nível de custos indiretos alocados em cada produto, para outra situação em que praticamente os mesmos valores terão que ser rateados agora para uma quantidade menor de produtos. Logo, os produtos que sobram sendo produzidos acabam recebendo uma carga maior de custos indiretos do que no momento anterior, no qual dividiam esta carga com outros itens.

Baseado no exemplo anterior, dividimos agora os custos indiretos em 6 retângulos idênticos para representar melhor uma quantificação destes custos. Digamos que pelos critérios de rateio, cada um dos 3 produtos ficará com 2 retângulos de custos indiretos cada um. Em um segundo momento, eliminando-se um dos produtos, os mesmos 6 retângulos (lembre-se: são os custos indiretos) precisam agora ser divididos entre 2 itens ao invés de 3. Isso faz com que ambos tenham alocados em seus custos agora 3 retângulos cada um. Isso explica o “inexplicável” aumento dos custos dos itens mesmo havendo uma produção menor.

Figura 3: situação 1 - alocando os custos fixos entre 3 produtos; situação 2 - alocando os mesmos custos fixos agora entre 2 produtos.
Agora imagine uma situação praticamente sem crescimento econômico. As empresas não possuem grandes alternativas para aumento de produtividade (isso também já dá assunto para outro tópico), e mesmo que houvesse, teria que representar um ganho muito grande para possibilitar uma grande redução de custos e assim tornar os produtos mais competitivos. Se as vendas estão caindo, a tendência é que acabe dispensando trabalhadores que antes eram necessários e agora não são mais, pois nenhuma empresa em sã consciência vai manter uma estrutura por muito tempo produzindo e gerando estoques se as vendas não estão acontecendo. Isso implica em aumento do índice de desemprego, o que reflete na diminuição de renda das famílias e por sua vez, significa menos dinheiro no mercado empregado para consumir produtos e serviços e assim entra num círculo vicioso, tornando a situação cada vez pior.

Então a empresa diminui sua produção ou a variedade de itens no intuito de reduzir os custos e acaba descobrindo que os custos estão maiores proporcionalmente do que quando estava a pleno vapor, e a explicação está dada logo acima.

A reflexão que eu gostaria de gerar neste momento da economia brasileira é: cuidado com a redução do ritmo das vendas ou da produção de sua empresa, pois se isso não for feito estudando a situação de forma mais completa, poderá comprometer seriamente os resultados da operação, podendo até mesmo transformar sua empresa de uma situação de boa lucratividade para uma situação de prejuízos em pouco tempo.

Outra questão que esta problemática acaba jogando luz é que a redução de custos não deve ser pensada somente em termos de redução de custos diretos, mas principalmente em termos de redução de despesas operacionais e custos indiretos.

E ainda que a cautela seja a recomendação máxima em situações de crise, sempre é bom lembrar que a redução de custos é importante, mas ela tem um limite claro que seria o custo ZERO, se alguma operação permitisse isso. Mais do que isso certamente não seria possível reduzir. Já para a visão dos ganhos, sempre é possível aumentar de alguma forma, com um limite virtualmente infinito, ainda que isso implique em exaustivos e muitas vezes onerosos esforços de vendas.

[1] Eliyahu Goldratt foi autor de um grande clássico da área de produção chamado A Meta e criador da Teoria das Restrições. Além de A Meta, escreveu uma série de outros livros sobre a aplicação da Teoria das Restrições a outras situações além da produção. 
[2] A “proporcionalidade dos custos indiretos” da qual trata este artigo foi baseada no livro A Síndrome do Palheiro, também escrito por Goldratt.