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sexta-feira, 5 de junho de 2015

O paradoxo da redução de custos em tempos de crise

Dada a atual situação econômica brasileira, resolvi escrever algo que pode servir de alerta para que as empresas tomem cuidado ao fazer o que se costuma fazer em tempos difíceis: tirar o pé do acelerador. Utilizando um exemplo bem simplificado para fins didáticos, analisamos a implicação desta redução do ritmo nos custos dos produtos.


Uma das principais críticas ao tradicional sistema de custos, feita por Eliyahu Goldratt [1], é chamada de “proporcionalidade dos custos indiretos” [2]. Goldratt explica que a contabilidade de custos tradicional surgiu baseada na necessidade de as indústrias realizarem demonstrações de seus resultados. Naquela época, no início da Era Industrial, a complexidade das organizações era muito menor. Basicamente elas eram compostas por uma grande estrutura, responsável pela produção propriamente dita, e uma parte muito pequena das estruturas das empresas não tinha relação direta com a produção e servia apenas para dar suporte ao funcionamento desta, responsáveis por funções como contabilidade, folha de pagamento, entre outros.

A divisão dos custos nesta situação pode ser representada pela figura a seguir, que tem como exemplo os produtos A, B e C, com seus respectivos custos e também uma pequena parcela de custos indiretos ou despesas que eram alocados entre os produtos com a finalidade de que os mesmos se apropriassem de uma parte destes desembolsos e contribuíssem para a cobertura destes custos indiretos. Aqui para exemplificar, estamos fazendo um rateio dos custos indiretos de forma equânime.


Rateio dos custos indiretos - início da era industrial
Figura 1: exemplo de rateio dos custos indiretos - caso de poucos custos indiretos.
À medida em que o mundo foi se desenvolvendo, muitas destas indústrias se desenvolveram junto e começaram a criar mais áreas de suporte, tais como marketing, P&D, call center, etc., e as próprias áreas que já existiam (parte administrativa, contabilidade e produção) também apresentaram um crescimento. A implicação disso foi que a parcela de custos indiretos e despesas dentro do custeio dos produtos acabou crescendo mais do que os custos diretos em relação ao paradigma anterior. No entanto, as formas de custeio e alocação dos custos indiretos continuaram as mesmas, sem nem entrar no mérito da questão dos critérios esdrúxulos de rateio utilizados por algumas empresas. Ou seja, a realidade das organizações mudou, mas a forma de custeio permaneceu a mesma.


Esta é uma situação perigosa, pois acabamos alocando a um produto custos que na realidade não são dele, são da operação da empresa. Goldratt propõe uma outra forma de analisar isso, mas na verdade não é este o tema desta postagem, por isso vou deixar essa outra questão para depois. Voltando ao raciocínio dos custos, então temos agora uma proporcionalidade maior dos custos indiretos em relação ao que havia no início da Era Industrial, e estes custos continuam sendo rateados entre os produtos, da mesma forma que antes, mas agora a proporção deles acaba sendo muito maior, como podemos ver na comparação da representação abaixo em relação à figura anterior.

Figura 2: exemplo de rateio dos custos indiretos - dias atuais.
A partir deste ponto do entendimento decorrem outros problemas. Possivelmente o maior deles, e mais preocupante, e que escolhi para trazer à tona neste momento em que uma grande crise se anuncia em nosso país, é o que acaba acontecendo se tiramos um produto da linha, ou mesmo se as vendas caem em decorrência do desaquecimento do mercado. 
Supondo que antes estávamos vendendo os produtos A e B sem margem e o produto C com prejuízo e eliminamos o produto C no intuito de reduzir os custos e focar os esforços de produção e venda dos outros dois, que estão sendo lucrativos. Analisando a planilha de custos novamente após a mudança e ficamos atônitos ao constatar que os custos de A e B aumentaram e agora ambos dão prejuízo. Agora estamos produzindo menos, e nosso sistema de custeio indica que os custos, ao invés de sofrerem uma redução, sofreram um aumento. Como isto é possível?

Note que ao eliminar um dos produtos, os custos diretos praticamente vão “embora”, no entanto muitos dos custos indiretos continuam existindo pois, salvo em situações especiais, o aluguel do prédio, os departamentos de P&D, marketing, etc., não serão desativados. Sendo assim, passamos de uma situação em que tínhamos um certo nível de custos indiretos alocados em cada produto, para outra situação em que praticamente os mesmos valores terão que ser rateados agora para uma quantidade menor de produtos. Logo, os produtos que sobram sendo produzidos acabam recebendo uma carga maior de custos indiretos do que no momento anterior, no qual dividiam esta carga com outros itens.

Baseado no exemplo anterior, dividimos agora os custos indiretos em 6 retângulos idênticos para representar melhor uma quantificação destes custos. Digamos que pelos critérios de rateio, cada um dos 3 produtos ficará com 2 retângulos de custos indiretos cada um. Em um segundo momento, eliminando-se um dos produtos, os mesmos 6 retângulos (lembre-se: são os custos indiretos) precisam agora ser divididos entre 2 itens ao invés de 3. Isso faz com que ambos tenham alocados em seus custos agora 3 retângulos cada um. Isso explica o “inexplicável” aumento dos custos dos itens mesmo havendo uma produção menor.

Figura 3: situação 1 - alocando os custos fixos entre 3 produtos; situação 2 - alocando os mesmos custos fixos agora entre 2 produtos.
Agora imagine uma situação praticamente sem crescimento econômico. As empresas não possuem grandes alternativas para aumento de produtividade (isso também já dá assunto para outro tópico), e mesmo que houvesse, teria que representar um ganho muito grande para possibilitar uma grande redução de custos e assim tornar os produtos mais competitivos. Se as vendas estão caindo, a tendência é que acabe dispensando trabalhadores que antes eram necessários e agora não são mais, pois nenhuma empresa em sã consciência vai manter uma estrutura por muito tempo produzindo e gerando estoques se as vendas não estão acontecendo. Isso implica em aumento do índice de desemprego, o que reflete na diminuição de renda das famílias e por sua vez, significa menos dinheiro no mercado empregado para consumir produtos e serviços e assim entra num círculo vicioso, tornando a situação cada vez pior.

Então a empresa diminui sua produção ou a variedade de itens no intuito de reduzir os custos e acaba descobrindo que os custos estão maiores proporcionalmente do que quando estava a pleno vapor, e a explicação está dada logo acima.

A reflexão que eu gostaria de gerar neste momento da economia brasileira é: cuidado com a redução do ritmo das vendas ou da produção de sua empresa, pois se isso não for feito estudando a situação de forma mais completa, poderá comprometer seriamente os resultados da operação, podendo até mesmo transformar sua empresa de uma situação de boa lucratividade para uma situação de prejuízos em pouco tempo.

Outra questão que esta problemática acaba jogando luz é que a redução de custos não deve ser pensada somente em termos de redução de custos diretos, mas principalmente em termos de redução de despesas operacionais e custos indiretos.

E ainda que a cautela seja a recomendação máxima em situações de crise, sempre é bom lembrar que a redução de custos é importante, mas ela tem um limite claro que seria o custo ZERO, se alguma operação permitisse isso. Mais do que isso certamente não seria possível reduzir. Já para a visão dos ganhos, sempre é possível aumentar de alguma forma, com um limite virtualmente infinito, ainda que isso implique em exaustivos e muitas vezes onerosos esforços de vendas.

[1] Eliyahu Goldratt foi autor de um grande clássico da área de produção chamado A Meta e criador da Teoria das Restrições. Além de A Meta, escreveu uma série de outros livros sobre a aplicação da Teoria das Restrições a outras situações além da produção. 
[2] A “proporcionalidade dos custos indiretos” da qual trata este artigo foi baseada no livro A Síndrome do Palheiro, também escrito por Goldratt.

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