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domingo, 3 de janeiro de 2016

Quando a maré baixa...

Em um jornal aqui da região* na edição deste domingo há uma matéria falando sobre layoff, uma espécie de licença que as empresas podem colocar um grupo de funcionários com o objetivo de evitar a demissão em função de crises econômicas. Tudo devidamente negociado com sindicatos e previstos na CLT. Interessante (mas obviamente não fico feliz com isso) é que no Brasil tivemos 266 empresas nessa situação somente em 2015, somando quase 33 mil trabalhadores. Além disso tem também um programa de proteção ao emprego lançado pela responsável-mor por essa bagunça, mas que a reportagem não cita. No estado (RS) temos 9 empresas participando, entre elas empresas de renome como a GM, com pouco mais de 800 funcionários, Pirelli, Gerdau e Johnson Controls, entre outras, somando pouco mais de 1.300 pessoas. Desde 2010 o número de empresas só faz crescer.



O tema já serviria para embasar mais capítulos na novela política que vem se desenrolando no Brasil nos últimos anos, mas meu objetivo não é discutir política, como este blog tem um enfoque gerencial, prefiro olhar para o problema sob outros aspectos. Um dos aspectos que essa matéria me fez refletir não é tão óbvio quanto a trama principal, que é a crise. Eu gostaria de jogar luz sobre uma outra discussão, de algo que de alguma forma pode ajudar as empresas a serem mais resistentes a crises ou a afundar mais rápido nela, mas que não está tão visível. Eu chamo isso de capacidade de inovação. A capacidade das empresas reinventarem não somente seus produtos/serviços, mas também seus modelos de negócios.

Eu acredito que no meio dessas empresas que passam por sérios problemas durante esta crise, assim como em outras crises, há empresas muito bem gerenciadas. Mas certamente em algumas delas há uma carência dessa capacidade de inovação. O mundo está sempre mudando, os mercados, as necessidades dos consumidores... Tecnologias novas surgem a todo momento, às vezes com pouco impacto sobre o que já existe e outras vezes mudando totalmente o mercado que existia, quem sabe até sepultando muitas empresas que não foram capazes de se reinventar.

E é justamente aí que está o perigo: grandes empresas baseadas em modelos de negócios com mais de um século não conseguem se desvincular destes modelos - porque eu duvido que não estejam vendo o que está acontecendo - ou então acham que podem conter esses movimentos de alguma forma. Por estarem fazendo muito pouco ou insuficiente para se atualizarem, correm o risco de não conseguirem dar a volta em tempo hábil e de fato acabar sucumbindo.

Pegando um exemplo, a indústria automobilística, que é citada na matéria. São apresentados números que indicam a queda de produção, venda e licenciamento dos veículos. Uma constante pressão ambiental tem sido feita sobre essa indústria, já que os veículos fazem a queima de combustíveis fósseis, gerando, entre outras coisas, emissão de CO2 e tem alto potencial poluidor. Apesar disso, esforços muito tímidos tem sido feitos para encontrar alternativas e a maior parte das opções que surgiram possuem um elevado custo e uma baixa autonomia. Ainda na contramão dos interesses da indústria, vemos movimentos como o compartilhamento de veículos (sim, há modelos de negócios em outros países nos quais você pode usar um veículo por um tempo determinado, deixá-lo estacionado em algum local e outras pessoas podem usá-lo em seguida, uma espécie de aluguel gerenciado por um aplicativo de celular). Outras iniciativas como o polêmico Uber, permitem que você tenha um exército de motoristas particulares à sua disposição também através de um aplicativo. A proposta do modelo de negócios é que usar os serviços do Uber é muito mais barato do que comprar e manter um carro. Além disso, outras coisas tem mudado no mundo, como a possibilidade de trabalhar em casa, de empreender através da internet, entre outras coisas, o que pode reduzir significativamente a necessidade de ter um veículo, tornando realmente a relação custo-benefício muito baixa.

A propósito, o Uber é exemplo também de um mercado que está tentando se atualizar e está sofrendo resistências extremas de taxistas, que ao invés de se atualizarem também e se tornarem mais atrativos, preferem lutar contra a mudança inevitável.

Mas voltando ao mercado automobilístico, se a produção vem caindo anualmente, então perde-se escala. Se perdemos escala, os custos de produção se elevam e então os preços praticados aos consumidores também. Logo, além de tudo isso, os veículos tendem a ficar ainda mais caros, reforçando mais ainda a queda na demanda e o aumento na busca por alternativas por parte dos consumidores.

Essas são algumas das forças que estão enfraquecendo as indústrias, porque elas estão resistindo e persistindo em um modelo de negócios que tem tendência de redução ano após ano, não por uma razão isolada, mas por diversas razões somadas, o que torna ainda mais difícil combater o "inimigo". Aliás, analisando bem essa questão, o inimigo não é o Uber, não é o compartilhamento de veículos, não é a produção de CO2. O inimigo é o apego a um modelo de negócios que já está ficando ultrapassado.

Voltamos então à questão que eu queria levantar antes do exemplo: quem não conseguir mudar está fadado a desaparecer, e aí não há programa de proteção ao emprego e layoff que salvem. E, embora o governo possa estimular um pouco isso com programas de incentivo à inovação, estruturalmente esse é um problema das empresas, que acaba aparecendo mais em épocas de crise, mas não é a crise a causa principal. Como dito numa frase atribuída ao mega investidor Warren Buffett: é quando a maré baixa que você vê quem estava nadando nu. Ou, seja, quando a situação está financeiramente estável, poucos se preocupam com sua situação, mas quando o dinheiro começa a ficar escasso, os problemas aparecem e se for difícil se livrar deles, é mais fácil colocar a culpa na crise.

Novamente digo que não quero discutir politicamente a questão da crise, tenho opinião formada sobre isso. Mas que há uma parcela de responsabilidade das empresas e seus gestores, certamente há.
Então, se sua empresa está passando por dificuldades hoje, seria bom, além de buscar uma solução imediata, investir algum tempo analisando seu modelo de negócios, verificando se sua empresa não está apegada demais a ele ou a algum produto/serviço em fase terminal e isso acaba atrapalhando a busca por uma saída, porque esse apego não permite ver outra saída.
Pense nisso e bons negócios!

* Jornal Zero Hora - http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/01/vidas-em-layoff-a-rotina-suspensa-pela-crise-economica-4942425.html

Um comentário:

  1. Muito importante e oportuna esta discussão, principalmente quando pensamos que a tecnologia vem mudando a forma de como os mercados e as indústrias se comportam. A Industria 4.0 já começa a tomar forma, e em países mais avançados, como a Alemanha, já faz parte da pauta do governo o incentivo e incremento de ações deste tipo. Considero um duplo desafio, além de mudar modelos de negócios antigos, integrá-los a um novo tipo de tecnologia e consequentemente a um novo tipo de profissional.

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