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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Estratégia, Processos & Tecnologia: a revolução que já está em curso

 A Tecnologia tem recebido muito foco ultimamente, com o surgimento e ascensão da Transformação Digital. Na realidade, a Transformação Digital já estava em foco para diversas empresas há muito tempo, mas mais recentemente ganhou superpoderes com a alta capacidade de integração entre sistemas usando APIs e RPA. Isso é interessante, porque permite que você possa buscar melhores soluções independentes, integrando-as e sem ter que esperar o seu fornecedor de software principal conseguir ter capacidade (o que muitas vezes significa ter mais mãos para fazer as atividades) para lhe entregar avanços significativos em termos de funcionalidades e modernização dos processos.

Eu sempre fui um fã incondicional de processos, e também um aficcionado em tecnologia, e enxergo com clareza como essas duas coisas - processos & tecnologia - podem ter um relacionamento íntimo a ponto de alavancar o desempenho das empresas, gerando diferenciais competitivos extremamente difíceis de serem copiados no curto prazo pela concorrência.

Hoje me deparei com um artigo [1] do qual retirei este trecho, sobre uma grande tendência no mundo dos negócios - o artigo fala mais direcionado a e-commerce, mas entendo que isso se aplica a qualquer tipo e modelo de negócios: 

"Apesar de muito se falar sobre isso há anos, o tema pouco evoluiu no Brasil. Permitir que o próprio cliente consiga resolver o seu problema, ou pelo menos consultar informações importantes, é extremamente urgente. Para isso, todas as áreas envolvidas na experiência do consumidor devem ter ciência da sua importância, pois os processos precisam ser melhores e as integrações são importantíssimas. “Um chatbot sem integrações, por exemplo, não passa de uma FAQ disfarçada”. Para tanto, ele ressalta que tudo deve ser feito na dosagem certa e sem impedir que o cliente consiga falar com um atendimento humano."

Como eu disse no início, já há tempos grandes empresas buscam pela Transformação Digital, muito antes de esse termo existir. Haja visto o movimento que vemos há décadas no setor bancário, com as automatizações de atendimentos via caixas eletrônicos, internet banking e apps. Tudo isso já era Transformação Digital, embora o termo ainda não existisse há 30 anos. Embora a tendência não seja nova mesmo, repito, está sendo turbinada nos últimos anos com a possibilidade de integrações via API.

Se você não entende o potencial disso, digamos que você tem um sistema e identifica que ele não realiza certas atividades que parecem ter aderência com o seu negócio e inclusive podem melhorar significativamente a produtividade e os resultados da empresa, além de melhorar muito a experiência do cliente. Como o seu ERP não tem essas capacidades, há 10, 20 anos atrás a solução mais óbvia seria... substituir o ERP!

Ora, eu já substituí alguns ERPs e sei o quanto isso costuma ser trabalhoso, muitas vezes problemático, sem falar nos custos envolvidos com licenças e atualizações que são necessárias em hardware e software relacionados, além da necessidade de treinamento de todos os funcionários, estudos para viabilidade de migração de dados, contratação de horas de desenvolvimento para criação de relatórios customizados, entre outras coisas mais. Essa conta vai muito além do simples valor das licenças do software que está sendo adquirido. Lembro de ter visto alguns anos atrás ainda uma matéria da Exame alertando que a implantação de um novo ERP pode ainda trazer um aumento dos custos fixos em algo que muito pouco se imagina, além dos custos de manutenção e suporte do software: os custos com pessoal.

Isso mesmo: observou-se que ao adotar ERPs mais robustos e complexos, muitas vezes os funcionários não se adaptavam e a solução acabava sendo contratar alguém que tivesse experiência naquele software especificamente, para evitar ficar perdendo muito tempo em treinamentos de novas pessoas que depois poderiam também não se adaptar. Esse tipo de exigência costuma impactar em um custo maior. Não que eu ache que não vale a pena isso, mas muitas vezes se busca um novo sistema, entre outras coisas, para redução de custos, e no final das contas o custo total acaba aumentando significativamente e não se sabe exatamente porque.

Na contramão disso, estudo da McKinsey aponta que na visão dos CEOs, já há uma percepção de mudança da principal função dos sistemas de informação [2]: em 2017, 48% dos CEOs que participaram da pesquisa afirmavam que a função da TI era redução de custos. Em outra edição da pesquisa, em 2020, a percepção dos executivos mudou: 38% passaram a considerar como principal função da TI o desenvolvimento de vantagens competitivas (!); 30% consideram modernizar capacidades tecnológicas das empresas para acompanhar a concorrência; 19% consideram reorganizar o negócio em torno do digital; enquanto a redução dos custos da empresa passou de 48% para 10% na percepção dos entrevistados.

Veja bem: isso é o que eu venho defendendo há anos! Processos são excelentes maneiras de gerar diferenciais competitivos, aumentar produtividade e receita, reduzir custos e por consequência, aumentar a lucratividade. Ora, se a tecnologia é essencial para dar suporte a processos mais produtivos e eficientes, é óbvio que ela também tem um potencial enorme para fazer essa transformação toda que os processos precisam. A redução de custos é algo a se buscar com tecnologia, mas não porque devemos utilizá-la para substituir o trabalho humano, mas sim porque com ela é possível escalar a atividade. 

Isso que as pessoas demoraram demais a perceber. O principal ganho com o uso de tecnologia deve ser a busca por diferenciação. Você tem que buscar a melhor experiência para o seu cliente e o melhor processo internamente em sua empresa. Essa é a busca de verdade.

Inclusive, antes de encerrar, vou aproveitar e vender o meu peixe do No Code/Low Code... Veja que não faz mais sentido gastar rios de dinheiro com um único sistema, robusto, caro, difícil de usar, que daqui a pouco vai ter coisas que ficaram obsoletas e que você fica preso a ele porque ele é caro e a empresa investiu muito nele. É melhor você ter um sistema que cumpra as funções básicas e "plugar" nele outras aplicações SaaS, integrando-as por meio de APIs ou então desenvolver internamente pequenas soluções que você vai fazer conforme sua própria necessidade e plugar ele no sistema principal! E então, você e/ou sua empresa querem surfar nessa onda e sair na frente da concorrência? Esse é o caminho! 

E sobre o diferencial, imagine você customizando sua solução de software, plugando soluções específicas... Seu concorrente, se quiser te copiar, terá que descobrir todas as soluções que você está utilizando. Isso te dará a possibilidade de se blindar mais e prevenir a cópia por parte dos concorrentes, ao mesmo tempo em que está fornecendo ao seu cliente uma experiência que ele só terá na sua empresa.

Lembrando que o desenvolvimento de soluções No Code/Low Code tem uma curva de aprendizagem muito mais rápida do que as linguagens de programação tradicionais e são plenamente integráveis e escaláveis. Em 10 anos aquele rapaz ou menina que adora fazer análises em Tabelas Dinâmicas do Excel certamente estarão construindo eles mesmos soluções que dêem conta das necessidades dos seus processos e das inovações que você quer implementar.

Bom, eu vou seguir tratando desse tema, cada vez mais. Se você quiser me acompanhar, coloca o blog nos favoritos ou me segue lá no LinkedIn [3]. Estamos em plena Revolução Digital. Não fique para trás.


[1] https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/em-2022-experiencia-do-cliente-requer-mais-empenho-e-tecnologia-afirma-especialista/

[2] https://www.mckinsey.com/business-functions/strategy-and-corporate-finance/our-insights/how-covid-19-has-pushed-companies-over-the-technology-tipping-point-and-transformed-business-forever 

[3] https://www.linkedin.com/in/fabiano-ahlert/


segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Opiniões sem dados são apenas opiniões - uma lição de como menos pode significar mais

Outro dia li em um perfil de empresa no LinkedIn que decisões que não são baseadas em dados não passam de uma opinião. Lembrei imediatamente de uma análise que conduzi em 2010. Na época baixei uma base de dados de vendas da empresa e comecei a conduzir análises segmentando os clientes e avaliando o ticket médio.

Era um pequeno negócio que atendia públicos específicos. Por questões de confidencialidade irei ocultar algumas informações aqui, mas tentarei contar um pouco sobre a análise feita. Basicamente fazendo uso de tabelas dinâmicas no Excel, comecei a fazer filtros segmentados. Na época usei o critério de separar clientes que compravam pouco dos demais e fiz uma linha de corte de R$ 1.200 por ano, separando clientes que compravam abaixo disso (o que correspondia a uma média de R$ 100,00 por mês). Logicamente este valor não é nenhuma enormidade hoje e embora R$ 100,00 valessem mais 12 anos atrás do que valem hoje, foi um bom parâmetro para a análise que se seguiu. 

Não irei revelar informações sobre a empresa e irei mascarar aqui os segmentos de forma a não ser possível identificar. Também não darei detalhes operacionais da condução das análises no Excel, mas trarei a essência para compartilhar a lógica por trás das decisões tomadas.

O fato é que eu tinha uma impressão bastante forte de que um segmento da empresa, embora representasse parte significativa do faturamento, não era um segmento rentável, e pior ainda, estava "roubando" a margem dos demais segmentos.

Bem, vamos aos números, depois eu caracterizo um pouco os diferentes segmentos e aprofundo algumas análises.

Segmento Vendas R$ mil % faturamento Número clientes Núm. clientes >R$ 1,2K/ano Média de vendas por cliente (todos)
Varejo 625,7 37% 418 146 R$ 1,5 K
Profissional 523,8 31% 115 57 R$ 4,5 K
Entidades públicas 277,0 16% 36 30 R$ 7,7 K
Outros 265,5 16% 99 31 R$ 6,0 K
R$ 1.701 K 100% 668 263 R$ 2,5 K

Essa tabela resume um pouco a situação que eu encontrei, e em parte ela confirmava minhas suspeitas, mas obviamente, análises mais profundas deveriam ser feitas. Basicamente o segmento que eu acreditava que estava prejudicando os resultados da empresa era o varejo. Ainda que responsável por vendas correspondentes a quase 40% do faturamento, acreditava que não era bom para a empresa continuar investindo no segmento, dadas as características do mercado.

Veja que dos 418 clientes responsáveis por essa venda, apenas 146 (quase 35%) compravam acima da linha de corte. A venda média por cliente no segmento era de R$ 1,5 mil. Compare com a venda média nos demais segmentos. Claro que isso sozinho não quer dizer nada. Mas é algo importante a observar.

No segmento profissional, responsável por 31% do faturamento, 57 clientes dos 115 (quase 50%) compravam acima da linha de corte, e a média de venda por cliente era 3 vezes maior.

Nas entidades públicas, um segmento com características bem específicas e bastante limitado em termos de ações práticas, podemos ver os números, assim como no segmento "outros", que juntava 2 outros segmentos atendidos pela empresa, um deles com vendas de volume significativo mas margens muito ruins e outro com vendas quase irrisórias com margens interessantes. Nenhum desses dois era foco estratégico da empresa, pelo contexto todo de mercado.

Ao retirar o segmento de varejo desta análise, temos os números abaixo:

Segmento Vendas R$ mil % faturamento Número clientes Núm. clientes >R$ 1,2K/ano Média de vendas por cliente (todos)
Profissional 523,8 31% 115 57 R$ 4,5 K
Entidades públicas 277,0 16% 36 30 R$ 7,7 K
Outros 265,5 16% 99 31 R$ 6,0 K
R$ 1.038 K 100% 188 111 R$ 5,5 K

Veja que obviamente a empresa perdeu 37% do faturamento, mas em compensação, agora tinha 188 clientes para gerenciar, ao invés de 668. E os clientes que estavam acima da linha de corte passaram para 111 de um total destes 188 (quase 60%), contra 263 na situação anterior de um total de 668 (quase 40%). A média de compra por cliente foi de R$ 2,5 mil para R$ 5,5 mil. Interessante. Ainda não permite tomar uma boa decisão com segurança, mas já é suficiente para acender uma luzinha amarela.

Agora vamos às características de cada segmento:

  • Varejo: clientes que geralmente querem comprar pedidos pequenos, pagando preços muito baixos e com prazos longos para pagamento. Precisam de visita presencial praticamente todos os meses e as entregas eram despachadas da nossa empresa por veículo próprio ou transportadora (ou seja, precisávamos manter uma equipe de vendas e outra de logística). Era um segmento com muita concorrência de grandes atacadistas, pressionando preços e margens para baixo.
  • Profissional: boa parte dos clientes fidelizável pelos diferenciais que a empresa possuía, muitos prestavam serviços em diferentes locais e costumavam buscar os produtos na empresa, diminuindo os custos logísticos para atendimento deste segmento. Não necessitavam visitas frequentes dos vendedores e o segmento tinha muito pouca concorrência.
  • Entidades públicas: pedidos maiores, mas muito esporádicos, pelo processo de compras ser bastante burocrático, faziam cerca de uma compra por ano e demandavam um trabalho de muitos meses até sair uma possibilidade de negócio, que nem sempre se concretizava em função dos certames e pregões que eram feitos para fechar negócio.
O outro segmento já comentei, então vou poupar nosso tempo. Bem, analisando o perfil de clientes já podemos ver mais uma luz amarela acendendo no varejo. Então, eu poderia além dos números já apresentados, ao abrir mão deste segmento, também ter uma redução de custos bastante significativa por não precisar de uma estrutura de vendas tão robusta e poder terceirizar então totalmente a estrutura logística (entregas). Outra questão que não citei é que o nosso principal fornecedor, uma multinacional do segmento químico, tinha um limite de crédito estabelecido para a empresa, e com as compras para todos os segmentos, esse limite de crédito estava sempre estourado.

Bom resumindo o que temos até agora... Abrindo mão do varejo, teríamos:
  • Uma redução de 72% no número de clientes a serem atendidos
  • Uma redução de quase 40% no faturamento
  • Um aumento de 120% na média de venda por cliente
  • Aumenta a proporção dos clientes com compras acima da linha de corte (ticket médio)
  • Redução da equipe de vendas (números foram estimados, mas deixarei de fora para não estender demais a descrição do caso, mas os custos fixos cairiam para mais da metade do que eram antes)
  • Terceirização completa da logística, reduzindo custos
  • Aumento das margens dos produtos vendidos, já que num Ranking feito de margem por produto, dos primeiros 60 produtos, apenas 3 eram produtos destinados ao varejo
  • O número de SKUs a gerenciar em estoque passaria de cerca de 250 para cerca de 85 e o estoque médio cairia de R$ 300 mil para R$ 165 mil
  • Os títulos de cobrança de clientes em atraso maior que 1 ano naquela data somavam quase R$ 30 mil, sendo R$ 20,3 mil referentes ao varejo
Elaborei também um índice de preços, que relacionava o preço que o produto era vendido em relação ao valor mínimo que deveria ser vendido. Os produtos do segmento de varejo raramente tinham uma colocação satisfatória neste índice. O markup (relação entre preço de venda e preço de custo) dos produtos por segmento apresentava o varejo como o segundo pior segmento, sendo o primeiro aquele segmento que estava dentro do "outros" da tabela que já comentei previamente.
Pois bem, para mim estava claro o suficiente. O segmento de varejo, embora relevante em termos de número de clientes e volume de faturamento, também causava um aumento desproporcional de custos de vendas e logísticos em relação aos demais. E por ter margens menores, acabava tirando o resultado dos outros segmentos, que por sua vez tinham margens maiores e custos menores para atendimento.

Alguém pode estar se perguntando: mas e porque não investir mais no varejo tentando melhorar o resultado, ao invés de abrir mão dele? Bom, basicamente os produtos da linha de varejo como eu disse, eram vendidos também por grandes atacadistas, que por terem um poder logístico e um catálogo muito maior, trabalham com margens muito menores. Isso nos dava pouco espaço para manobras de preços. Além disso, para aumentar as vendas no varejo, teríamos que aumentar os custos, investindo no aumento da equipe de vendas e na estrutura logística, para vender produtos que tem margem relativamente menor do que os demais. Isso quer dizer um esforço (custo) maior para um resultado (lucratividade) menor. Ou seja, para fazer sobrar R$ 1,00 no segmento profissional, eu precisava de uma determinada estrutura, que teria que vender um volume X para fazer sobrar esse dinheiro. No varejo, teria que vender quase 3X para fazer sobrar o mesmo dinheiro. Logo, por questões contextuais do mercado, não valeria a pena.

RESULTADOS
O resultado prático desta análise toda foi que optamos por fazer um "desligamento" gradual do segmento de varejo, abrindo mão primeiramente dos clientes do segmento que estavam abaixo da linha de corte no ticket médio. Desta forma, não perdemos tanto faturamento de uma vez só e pudemos planejar uma redução da estrutura comercial e logística de forma mais tranquila.
O faturamento de fato reduziu um pouco, mas foi logo compensado pela atenção que pudemos dar aos clientes dos outros segmentos. Os custos reduziram bastante, conforme previsto, assim como o estoque médio, inadimplência e os problemas com o limite de crédito com nosso principal fornecedor.
Alguns meses depois o próprio fornecedor entregou a outra empresa a distribuição dos produtos da linha do varejo, um atacadista que teria melhores condições de atender ao mercado. Nós não tivemos problemas com essa troca e até estávamos esperando que fosse acontecer mais cedo ou mais tarde, mas devido a termos tomado as decisões de forma bastante ponderada e baseada em análises de números, tudo acabou correndo muito bem.

Esse é um dos casos que tenho que me ensinou algumas coisas, entre elas:
  • Menos definitivamente pode ser mais;
  • O que importa não é quanto você fatura, mas quanto sobra. E isso pode ser muito diferente segmentando por perfil de cliente ou região geográfica, ou outras características. E dentro dos segmentos também pode ser diferente de cliente para cliente, então a decisão sobre mudanças deve ser estrategicamente planejada para que as perdas no processo de mudança sejam as menores possíveis;
  • Dados, ah... Como eu gosto de dados... Opiniões baseadas em dados são possíveis indicadores de boas decisões estratégicas. Mas opiniões sem dados são apenas opiniões;
  • Obviamente em função disso, um profissional que sabe manipular dados e realizar análises, tem um valor inestimável dentro dos negócios.

E você? Tem baseado as decisões em sua empresa em dados?