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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Opiniões sem dados são apenas opiniões - uma lição de como menos pode significar mais

Outro dia li em um perfil de empresa no LinkedIn que decisões que não são baseadas em dados não passam de uma opinião. Lembrei imediatamente de uma análise que conduzi em 2010. Na época baixei uma base de dados de vendas da empresa e comecei a conduzir análises segmentando os clientes e avaliando o ticket médio.

Era um pequeno negócio que atendia públicos específicos. Por questões de confidencialidade irei ocultar algumas informações aqui, mas tentarei contar um pouco sobre a análise feita. Basicamente fazendo uso de tabelas dinâmicas no Excel, comecei a fazer filtros segmentados. Na época usei o critério de separar clientes que compravam pouco dos demais e fiz uma linha de corte de R$ 1.200 por ano, separando clientes que compravam abaixo disso (o que correspondia a uma média de R$ 100,00 por mês). Logicamente este valor não é nenhuma enormidade hoje e embora R$ 100,00 valessem mais 12 anos atrás do que valem hoje, foi um bom parâmetro para a análise que se seguiu. 

Não irei revelar informações sobre a empresa e irei mascarar aqui os segmentos de forma a não ser possível identificar. Também não darei detalhes operacionais da condução das análises no Excel, mas trarei a essência para compartilhar a lógica por trás das decisões tomadas.

O fato é que eu tinha uma impressão bastante forte de que um segmento da empresa, embora representasse parte significativa do faturamento, não era um segmento rentável, e pior ainda, estava "roubando" a margem dos demais segmentos.

Bem, vamos aos números, depois eu caracterizo um pouco os diferentes segmentos e aprofundo algumas análises.

Segmento Vendas R$ mil % faturamento Número clientes Núm. clientes >R$ 1,2K/ano Média de vendas por cliente (todos)
Varejo 625,7 37% 418 146 R$ 1,5 K
Profissional 523,8 31% 115 57 R$ 4,5 K
Entidades públicas 277,0 16% 36 30 R$ 7,7 K
Outros 265,5 16% 99 31 R$ 6,0 K
R$ 1.701 K 100% 668 263 R$ 2,5 K

Essa tabela resume um pouco a situação que eu encontrei, e em parte ela confirmava minhas suspeitas, mas obviamente, análises mais profundas deveriam ser feitas. Basicamente o segmento que eu acreditava que estava prejudicando os resultados da empresa era o varejo. Ainda que responsável por vendas correspondentes a quase 40% do faturamento, acreditava que não era bom para a empresa continuar investindo no segmento, dadas as características do mercado.

Veja que dos 418 clientes responsáveis por essa venda, apenas 146 (quase 35%) compravam acima da linha de corte. A venda média por cliente no segmento era de R$ 1,5 mil. Compare com a venda média nos demais segmentos. Claro que isso sozinho não quer dizer nada. Mas é algo importante a observar.

No segmento profissional, responsável por 31% do faturamento, 57 clientes dos 115 (quase 50%) compravam acima da linha de corte, e a média de venda por cliente era 3 vezes maior.

Nas entidades públicas, um segmento com características bem específicas e bastante limitado em termos de ações práticas, podemos ver os números, assim como no segmento "outros", que juntava 2 outros segmentos atendidos pela empresa, um deles com vendas de volume significativo mas margens muito ruins e outro com vendas quase irrisórias com margens interessantes. Nenhum desses dois era foco estratégico da empresa, pelo contexto todo de mercado.

Ao retirar o segmento de varejo desta análise, temos os números abaixo:

Segmento Vendas R$ mil % faturamento Número clientes Núm. clientes >R$ 1,2K/ano Média de vendas por cliente (todos)
Profissional 523,8 31% 115 57 R$ 4,5 K
Entidades públicas 277,0 16% 36 30 R$ 7,7 K
Outros 265,5 16% 99 31 R$ 6,0 K
R$ 1.038 K 100% 188 111 R$ 5,5 K

Veja que obviamente a empresa perdeu 37% do faturamento, mas em compensação, agora tinha 188 clientes para gerenciar, ao invés de 668. E os clientes que estavam acima da linha de corte passaram para 111 de um total destes 188 (quase 60%), contra 263 na situação anterior de um total de 668 (quase 40%). A média de compra por cliente foi de R$ 2,5 mil para R$ 5,5 mil. Interessante. Ainda não permite tomar uma boa decisão com segurança, mas já é suficiente para acender uma luzinha amarela.

Agora vamos às características de cada segmento:

  • Varejo: clientes que geralmente querem comprar pedidos pequenos, pagando preços muito baixos e com prazos longos para pagamento. Precisam de visita presencial praticamente todos os meses e as entregas eram despachadas da nossa empresa por veículo próprio ou transportadora (ou seja, precisávamos manter uma equipe de vendas e outra de logística). Era um segmento com muita concorrência de grandes atacadistas, pressionando preços e margens para baixo.
  • Profissional: boa parte dos clientes fidelizável pelos diferenciais que a empresa possuía, muitos prestavam serviços em diferentes locais e costumavam buscar os produtos na empresa, diminuindo os custos logísticos para atendimento deste segmento. Não necessitavam visitas frequentes dos vendedores e o segmento tinha muito pouca concorrência.
  • Entidades públicas: pedidos maiores, mas muito esporádicos, pelo processo de compras ser bastante burocrático, faziam cerca de uma compra por ano e demandavam um trabalho de muitos meses até sair uma possibilidade de negócio, que nem sempre se concretizava em função dos certames e pregões que eram feitos para fechar negócio.
O outro segmento já comentei, então vou poupar nosso tempo. Bem, analisando o perfil de clientes já podemos ver mais uma luz amarela acendendo no varejo. Então, eu poderia além dos números já apresentados, ao abrir mão deste segmento, também ter uma redução de custos bastante significativa por não precisar de uma estrutura de vendas tão robusta e poder terceirizar então totalmente a estrutura logística (entregas). Outra questão que não citei é que o nosso principal fornecedor, uma multinacional do segmento químico, tinha um limite de crédito estabelecido para a empresa, e com as compras para todos os segmentos, esse limite de crédito estava sempre estourado.

Bom resumindo o que temos até agora... Abrindo mão do varejo, teríamos:
  • Uma redução de 72% no número de clientes a serem atendidos
  • Uma redução de quase 40% no faturamento
  • Um aumento de 120% na média de venda por cliente
  • Aumenta a proporção dos clientes com compras acima da linha de corte (ticket médio)
  • Redução da equipe de vendas (números foram estimados, mas deixarei de fora para não estender demais a descrição do caso, mas os custos fixos cairiam para mais da metade do que eram antes)
  • Terceirização completa da logística, reduzindo custos
  • Aumento das margens dos produtos vendidos, já que num Ranking feito de margem por produto, dos primeiros 60 produtos, apenas 3 eram produtos destinados ao varejo
  • O número de SKUs a gerenciar em estoque passaria de cerca de 250 para cerca de 85 e o estoque médio cairia de R$ 300 mil para R$ 165 mil
  • Os títulos de cobrança de clientes em atraso maior que 1 ano naquela data somavam quase R$ 30 mil, sendo R$ 20,3 mil referentes ao varejo
Elaborei também um índice de preços, que relacionava o preço que o produto era vendido em relação ao valor mínimo que deveria ser vendido. Os produtos do segmento de varejo raramente tinham uma colocação satisfatória neste índice. O markup (relação entre preço de venda e preço de custo) dos produtos por segmento apresentava o varejo como o segundo pior segmento, sendo o primeiro aquele segmento que estava dentro do "outros" da tabela que já comentei previamente.
Pois bem, para mim estava claro o suficiente. O segmento de varejo, embora relevante em termos de número de clientes e volume de faturamento, também causava um aumento desproporcional de custos de vendas e logísticos em relação aos demais. E por ter margens menores, acabava tirando o resultado dos outros segmentos, que por sua vez tinham margens maiores e custos menores para atendimento.

Alguém pode estar se perguntando: mas e porque não investir mais no varejo tentando melhorar o resultado, ao invés de abrir mão dele? Bom, basicamente os produtos da linha de varejo como eu disse, eram vendidos também por grandes atacadistas, que por terem um poder logístico e um catálogo muito maior, trabalham com margens muito menores. Isso nos dava pouco espaço para manobras de preços. Além disso, para aumentar as vendas no varejo, teríamos que aumentar os custos, investindo no aumento da equipe de vendas e na estrutura logística, para vender produtos que tem margem relativamente menor do que os demais. Isso quer dizer um esforço (custo) maior para um resultado (lucratividade) menor. Ou seja, para fazer sobrar R$ 1,00 no segmento profissional, eu precisava de uma determinada estrutura, que teria que vender um volume X para fazer sobrar esse dinheiro. No varejo, teria que vender quase 3X para fazer sobrar o mesmo dinheiro. Logo, por questões contextuais do mercado, não valeria a pena.

RESULTADOS
O resultado prático desta análise toda foi que optamos por fazer um "desligamento" gradual do segmento de varejo, abrindo mão primeiramente dos clientes do segmento que estavam abaixo da linha de corte no ticket médio. Desta forma, não perdemos tanto faturamento de uma vez só e pudemos planejar uma redução da estrutura comercial e logística de forma mais tranquila.
O faturamento de fato reduziu um pouco, mas foi logo compensado pela atenção que pudemos dar aos clientes dos outros segmentos. Os custos reduziram bastante, conforme previsto, assim como o estoque médio, inadimplência e os problemas com o limite de crédito com nosso principal fornecedor.
Alguns meses depois o próprio fornecedor entregou a outra empresa a distribuição dos produtos da linha do varejo, um atacadista que teria melhores condições de atender ao mercado. Nós não tivemos problemas com essa troca e até estávamos esperando que fosse acontecer mais cedo ou mais tarde, mas devido a termos tomado as decisões de forma bastante ponderada e baseada em análises de números, tudo acabou correndo muito bem.

Esse é um dos casos que tenho que me ensinou algumas coisas, entre elas:
  • Menos definitivamente pode ser mais;
  • O que importa não é quanto você fatura, mas quanto sobra. E isso pode ser muito diferente segmentando por perfil de cliente ou região geográfica, ou outras características. E dentro dos segmentos também pode ser diferente de cliente para cliente, então a decisão sobre mudanças deve ser estrategicamente planejada para que as perdas no processo de mudança sejam as menores possíveis;
  • Dados, ah... Como eu gosto de dados... Opiniões baseadas em dados são possíveis indicadores de boas decisões estratégicas. Mas opiniões sem dados são apenas opiniões;
  • Obviamente em função disso, um profissional que sabe manipular dados e realizar análises, tem um valor inestimável dentro dos negócios.

E você? Tem baseado as decisões em sua empresa em dados? 

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